José Lopes
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Todos conhecemos peças arqueológicas de uma região expostas em museus de países distantes. Num mundo em que se apregoa a globalização como uma inevitabilidade, e por vezes como uma bênção, esta constatação até pode parecer estranha.
O Egipto exige a devolução do busto de Nefertiti, e os responsáveis alemães pelo museu de Berlim onde o busto está exposto reclamam, afirmando que a compra do artefacto foi perfeitamente legal.
A Pedra de Roseta, pedaços escultóricos de templos gregos, e outros verdadeiros tesouros arqueológicos estão longe do local onde foram feitos e para onde estavam destinados, apenas por razões políticas ou económicas e não por desejo dos povos a que estão ligadas historicamente.
Guerras, ocupação, colonialismo são algumas das (más) razões que estiveram na origem deste problema, mas o que é estranho e dificilmente aceite como razão para a não devolução de uma peça, (o busto de Nefertiti), é alegar que é demasiado frágil para ser transportado.
Chove. É dia de Natal
Chove. É dia de Natal. E toda a gente é contente Pois apesar de ser esse Deixo sentir a quem quadra |
Em quase tudo na vida é possível concordar-se com algo ou discordar com isso mesmo. As condicionantes são diversas, e influenciam a nossa opinião. As decisões mais difíceis, talvez mesmo as mais importantes colocam-nos de um dos lados de uma qualquer barricada, e a razão pode estar noutro lugar qualquer, ou até assistir a ambos os lados.
Estava a pensar na anunciada greve dos trabalhadores das grandes superfícies na véspera de Natal. Já ouvi alguns a barafustar afirmando que vão ser prejudicados porque era precisamente na véspera de Natal que tinham planeado as compras. Estes são os possíveis clientes, mas também temos os patrões, e a UGT, que vêm dizer que não é oportuna a greve e que o emprego é mais importante que os direitos, e que se querem lutar esta não é a ocasião mais propícia.
Tudo é passível de ser rebatido, começando pelo argumento dos que se sentem prejudicados, que bem podem recorrer ao mercado tradicional, contribuindo para a manutenção de muitos mais postos de trabalho, o que a UGT estranhamente não refere. Quanto ao patronato também se pode perguntar se é oportuno aumentar agora o horário de trabalho para as 60 horas, afinal estamos na quadra das festas da família?
Eu faço as minhas compras com tempo, se me esquecer de alguma coisa, tenho bons vizinhos a quem recorrer, e o conveniente plano B. Com o vencimento que a maioria dos empregados dos grandes centros comerciais ganha (uma ninharia), a vontade e o estímulo para encher a barriga aos patrões deve ser igual ou abaixo de zero. Porque raio terá um empregado de uma grande superfície trabalhar 60 horas semanais quando isso favorece o patrão e não pode tirar por exemplo as férias quando mais lhe convém devido às férias dos filhos ou do cônjuge?
Alguém acha que existe equilíbrio nas relações laborais? Talvez comece a ser altura para se pensar até onde é que estamos dispostos a ceder enquanto trabalhadores por conta de outrem! Eu estou à beira da reforma e não trabalho em nenhuma grande superfície.
A época natalícia costuma ser uma altura em que os portugueses se esquecem um pouco das cautelas e abrem os cordões à bolsa para terem a alegria e o prazer de ofertarem devidamente a família e alguns amigos. Tem sido assim até este ano mas, sim há um grande MAS, agora a situação é diferente, e mesmo que alguns o não consigam explicar, o “mas” é um verdadeiro travão que se sente mesmo.
A taxa de desemprego é simplesmente aflitiva, e são cada vez mais os portugueses que deixam de ser apoiados socialmente e no futuro não há esperanças de melhorias. Os que trabalham sabem bem que os salários são dos mais baixos da União Europeia, e que o miserável salário mínimo está ameaçado pelos mesquinhos patrões, que querem mais apoios mas não abrem os cordões à bolsa.
Ouço uns quantos falarem da diminuição da despesa corrente do Estado, cortando-se nos vencimentos, mas porque é que não se corta nas aquisições de serviços e nas Parcerias Público-Privadas (PPP) onde só os privados têm lucros garantidos? Atente-se ao que diz o Tribunal de Contas, se não acreditam no que digo.
Meus caros, se os portugueses cortarem substancialmente nos presentes de Natal, como se diz, os senhores empresários podem começar a arranjar espaço nos armazéns para guardar os monos, podem preparar-se para pedir uns dinheiros para a próxima colecção, com um spread mais alto como convém, e também podem começar a elaborar mais uns papéis para o fundo de desemprego.
Portugueses sem dinheiro para gastar no Natal é sinal de tudo o que disse, e talvez mais alguma coisa que mais à frente se verá.Estar a aproveitar momentos de repouso em boa companhia à espera do Natal e das visitas dos filhos e netos, não implica forçosamente estar arredado das notícias do rectângulo. Quase tudo que ouvi e li era mais do mesmo, ou seja, politiquices a que me devo alhear.
A minha atenção caiu sobre apenas duas notícias, uma sobre a opinião de Marinho Pinto sobre a criminalização do enriquecimento ilícito e outra sobre uma acusação do Ministério Público que pende sobre antigos gestores dos CTT e a sua gestão que é considerada danosa.
O hábito em Portugal tem sido aparecer um novo “caso cabeludo” sempre que o anterior começa a “chamuscar”as barbas de gente graúda. Claro que tudo se arrasta por tempos infindáveis e a culpa acaba sempre por morrer solteira, e mesmo quando há alguma pena essa é sempre suspensa ficando as coisas por isso mesmo.
Quanto à opinião do senhor bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, que afirmou que a criminalização do enriquecimento ilícito «não terá eficácia», e as suas dúvidas sobre se a lei vai ser aplicada a todos por igual, ou não, posso dizer que fiquei completamente atónito. A resposta contudo estava mais abaixo, nas palavras do próprio bastonário: «Não será altura de parar de mexer nas leis e começar a mexer nos magistrados e nas polícias? Não será altura de deixar as leis penais em paz e 'corrigir' os magistrados que temos?».
Afinal temos uma guerra entre advogados e juízes, muito para além das querelas políticas, e por isso não se fazem leis correctas e aplicáveis, apesar de alguns dos protagonistas do processo penal saberem bem porque que é que tudo vai falhar, mesmo antes de a lei ser conhecida, discutida e colocada em vigor.
É grave, muito grave aquilo que Marinho Pinto diz hoje sobre o futuro. Aos agentes da Justiça pede-se que saibam conjugar esforços na defesa dos cidadãos, do bem público e das leis que para isso existem ou venham a existir. O dinheiro por vezes tolda um pouco o discernimento de alguns, mas os cidadãos esperam que isso não afecte a Justiça e os seus actores, senão é a Democracia que está em risco.
RETRATO DO POVO DE LISBOA
É da torre mais alta do meu pranto
que eu canto este meu sangue este meu povo.
Dessa torre maior em que apenas sou grande
por me cantar de novo.
Cantar como quem despe a ganga da tristeza
e põe a nu a espádua da saudade
chama que nasce e cresce e morre acesa
em plena liberdade.
É da voz do meu povo uma criança
seminua nas docas de Lisboa
que eu ganho a minha voz
caldo verde sem esperança
laranja de humildade
amarga lança
até que a voz me doa.
Mas nunca se dói só quem a cantar magoa
dói-me o Tejo vazio dói-me a miséria
apunhalada na garganta.
Dói-me o sangue vencido a nódoa negra
punhada no meu canto.
Ary dos Santos
Ecce Homo
Desbaratamos deuses, procurando
Um que nos satisfaça ou justifique.
Desbaratamos esperança, imaginando
Uma causa maior que nos explique.
Pensando nos secamos e perdemos
Esta força selvagem e secreta,
Esta semente agreste que trazemos
E gera heróis e homens e poetas.
Pois Deuses somos nós. Deuses do fogo
Malhando-nos a carne, até que em brasa
Nossos sexos furiosos se confundam,
Nossos corpos pensantes se entrelacem
E sangue, raiva, desespero ou asa,
Os filhos que tivermos forem nossos.
José Carlos Ary dos Santos
O continente onde nasceu a democracia, há muitos séculos, deixou que um tratado viesse ensombrar esse mesmo conceito de liberdade e democracia de que se arroga defensor.
A legitimidade que os governos alegaram para aprovar o Tratado de Lisboa, sem consultas directas às populações terá sustentáculo formal e de direito, mas nunca conseguirá convencer todos quanto ao seu carácter pouco democrático. Os referendos prometidos e que não se realizaram serão sempre recordados quando as coisas não correrem como é expectável.
Para mim fica o facto de que primeiro quiseram impor uma constituição europeia, e perante as reacções negativas deixaram cair os símbolos federalistas, mas manteve-se o texto na sua essência, e optou-se pela terminologia de tratado.
O poder fica cada vez mais longe das populações, os países mais pequenos deixam de ter o mesmo peso, e a Europa que conhecemos, deixará forçosamente de ter a mesma diversidade que a caracteriza e a tendência de uniformização irá acentuar-se.