Passados 210 anos sobre a partida
para o Brasil, da realeza portuguesa, importa referir uma exposição que decorre
no Museu dos Coches sobre o acontecimento histórico.
Muito se disse sobre o assunto,
uns dizendo que foium acto de cobardia, outros preferem recordar que sem esta
fuga Portugal deixaria de ser uma nação independente. Nunca saberemos porque a
vida não se faz de “ses”.
Talvez seja uma boa oportunidade
para citar Oliveira Martins que dizia:
“A onda da invasão varria diante
de si o enxame dos parasitas imundos, desembargadores e repentistas, peraltas e
sécias, frades e freiras, monsenhores e cadastrados.
Tudo isso, a monte, embarcava, ao
romper do dia, no cais de Belém.
Parecia o levantar de uma feira e
a mobília de uma barraca suja de saltimbancos falidos: porque o príncipe, para
abarrotar o bolso com louras peças de ouro, seu enlevo, ficara a dever a todos
os credores, deixando a tropa, os empregos, os criados, por pagar.
Desabava tudo a pedaços; e só agora, finalmente, o terramoto começado pela natureza, continuado pelo marquês de Pombal, se tornava um facto consumado. Os cortesãos corriam pela meia-noite as ruas, ofegantes, batendo às lojas, para comprarem o necessário; as mulheres entrouxavam a roupa e os pós, as banhas, o gesso com que caiavam a cara, o carmim com que pintavam os beiços, as perucas e rabichos, os sapatos e fivelas, toda a frandulagem do vestuário.
(…) O príncipe regente e o
infante de Espanha chegaram ao cais na carruagem, sós: ninguém dava por eles;
cada qual cuidava de si, e tratava de escapar.
Dois soldados da polícia
levaram-nos ao colo para o escaler.
Depois veio noutro coche a
princesa Carlota Joaquina, com os filhos.
E por fim a rainha (D. Maria I),
de Queluz, a galope. Parecia que o juízo lhe voltava com a crise. Mais
devagar!, gritava ao cocheiro; diria que fugimos!
A sua loucura proferia com juízo
brados de desespero, altos gritos de raiva, estorcendo-se, debatendo-se às
punhadas, com os olhos vermelhos de sangue, a boca cheia de espuma.
O protesto da louca era o único
vislumbre de vida. O brio, a força, a dignidade portuguesa acabavam assim nos
lábios ardentes de uma rainha doida!
.
Tudo o mais era vergonha calada, passiva inépcia, confessada fraqueza.
Tudo o mais era vergonha calada, passiva inépcia, confessada fraqueza.
O príncipe decidira que o
embarque se fizesse de noite, por ter a consciência da vergonha da sua fuga;
mas a notícia transpirou, e o cais de Belém encheu-se de povo, que apupava os
ministros, os desembargadores, toda essa ralé de ineptos figurões de lodo.
E – tanto podem as ideias! –
chorava ainda pelo príncipe, que nada lho merecia. D. João também soluçava, e
tremiam-lhe muito as pernas que o povo de rastos abraçava.
A esquadra recebera 15 000
pessoas, e valores consideráveis, em dinheiro e alfaias.
Levantou ferro na manhã de 29,
pairando em frente da barra até o dia seguinte, às sete horas, que foi quando
Junot entrou em Lisboa. Os navios largaram o pano, na volta do mar, e fizeram
proa a sudoeste, caminho do Brasil.”
UM pedaço de história que me agradou muito ler.
ResponderEliminarAbraço
Estamos sempre a partir
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