sexta-feira, agosto 24, 2012

O CANO DE UMA PISTOLA PELO CU

Eis um texto que circula pelo Facebook e que está a fazer furor em Espanha e não só. Apesar de comprido vale a pena ler na íntegra.

*
Se percebemos bem - e não é fácil, porque somos um bocado tontos -, a economia financeira é a economia real do senhor feudal sobre o servo, do amo sobre o escravo, da metrópole sobre a colónia, do capitalista manchesteriano sobre o trabalhador explorado. A economia financeira é o inimigo da classe da economia real, com a qual brinca como um porco ocidental com corpo de criança num bordel asiático.

Esse porco filho da puta pode, por exemplo, fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada. Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que tu ganhes mais caso suba, apesar de te deixar na merda se descer.

Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter o que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que estejas - e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira.

Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco filho da puta compra geralmente é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se deita à meia-noite. 

Um país que, da perspetiva do terrorista financeiro, não é mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória.

A primeira operação do terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional: o tiro na nuca. Ou seja, retira-lhe todo o caráter de pessoa, coisifica-a. Uma vez convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre, se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para uma competição. Nada disso conta para a economia financeira ou para o terrorista económico que acaba de pôr o dedo sobre o mapa, sobre um país - este, por acaso -, e diz "compro" ou "vendo" com a impunidade com que se joga Monopólio e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.

Quando o terrorista financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública - onde estas ainda existem - os filhos, também eles produto de consumo desse exército de cabrões protegidos pelos governos de meio mundo mas sobreprotegidos, desde logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, mais simplesmente, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso momento, enquanto lê estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos nossos cofres.
 
E não são desviados num movimento racional, justo ou legítimo, são-no num movimento especulativo promovido por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona euro.

Tu e eu, com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, o nosso pai doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou as nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.

A ti e a mim, estão a pôr nos carris do comboio uma bomba diária chamada prémio de risco, por exemplo, ou juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com ruturas diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e responsáveis intelectuais dessas ações terroristas que passam impunes entre outras razões porque os terroristas vão a eleições e até ganham, e porque há atrás deles importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos especulativos de que somos vítimas.

A economia financeira, se começamos a perceber, significa que quem te comprou aquela colheita inexistente era um cabrão com os documentos certos. Terias tu liberdade para não vender? De forma alguma. Tê-la-ia comprado ao teu vizinho ou ao vizinho deste. A atividade principal da economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são tamanhos que transbordam dos gráficos.

Aqui se modifica o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém resolva o problema, ou mais, enviando as autoridades para cima de quem tenta fazê-lo. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para proteger esse filho da puta que te vendeu, recorrendo a um esquema legalmente permitido, um produto financeiro, ou seja, um objeto irreal no qual tu investiste, na melhor das hipóteses, toda a poupança real da tua vida. Vendeu fumaça, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado que são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.

Na economia real, para que uma alface nasça, há que semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, há que a colher, claro, e embalar e distribuir e faturar a 30, 60 ou 90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que terás de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os serviços comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira tropeçou e há que tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do nosso sangue e está nele, por isso brinca com a nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola no rabo do sequestrado.

Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo. E com a cumplicidade dos nossos.

Texto de José Millás (DAQUI


11 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. E o pior é que eles nem mais atiram com a pistola e enfiam o cano frio mesmo. Rsrsr... A economia nas mãos de um só país acaba por escravizar os outros. "Acho que a Europa precisa acordar"

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  3. O ódio à megera aumenta e o resultado pode ser idêntico ao do passado. Recordam-se?
    Lol

    AnarKa

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  4. Já dizia Vinicius de Morais
    e
    lá tinha as suas razões:
    Quem já passou por essa vida e não viveu
    Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
    Porque a vida só se dá pra quem se deu
    Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu

    Para que veja como vivo intensamente os meus dias
    imagens do cruzeiro pelo Douro
    estão à sua espera
    Amigo Guardião!

    Um abraço.

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  5. O texto diz tudo!

    Comentários...

    Eles fazem tudo o que querem
    e
    ainda lhes sobra tempo!

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  6. Um grande texto para reter e divulgar. Talvez pudesse ainda ser maior se fosse um pouco mais pequeno - um texto tão extenso não é apropriado ao formato net. Palmas para o seu autor e que ele chegue além de nós, porque em nós não altera o nosso pensamento, para que mude certas consciências que temos o dever de pôr a pensar.
    Um abraço inconformado

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  7. Eu,um simples operário emigrante na Holanda desde 1964 e já velho (88anos),direi mas,porém,todavia, contudo.......
    Com populismo e demagogia,
    muita mentira,verdade parece,
    mas em liberdade e democracia,
    cada Povo tem o Governo que merece.
    E a propósito,no próximo dia 12 de Setembro há Eleições Legislativas aqui na Holanda e a elas concorrem 20 Partidos Políticos,o que mostra que o Povo está muito desunido,mas com certeza que serão sempre os detentores do Poder económico e financeiro que DITARÃO a Poder Político.E eu como simples operário emigrante direi que mal por mal, antes a Holanda que Portugal.
    A Pátria-Mãe p'ra mim madrasta,
    empurrou-me p'rà emigração,
    e maldita seja a Governação,
    que Portugal p'rà miséria arrasta.

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  8. Eu,um simples operário emigrante na Holanda desde 1964 e já velho (88anos),direi mas,porém,todavia, contudo.......
    Com populismo e demagogia,
    muita mentira,verdade parece,
    mas em liberdade e democracia,
    cada Povo tem o Governo que merece.
    E a propósito,no próximo dia 12 de Setembro há Eleições Legislativas aqui na Holanda e a elas concorrem 20 Partidos Políticos,o que mostra que o Povo está muito desunido,mas com certeza que serão sempre os detentores do Poder económico e financeiro que DITARÃO o Poder Político.E para mim,simples operário emigrante direi que mal por mal, antes na Holanda que em Portugal.
    A Pátria-Mãe p'ra mim madrasta,
    empurrou-me p'rà emigração,
    e maldita seja a Governação,
    que Portugal p'rà miséria arrasta.

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  9. Pois eu penso que não se trata de uma pistola,mas de uma M60!

    Saudações!

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  10. chafurdam bem esse grandes fdp e era no deles que se devia enfiar um valente canhão...

    cumpts

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  11. Excelente , lúcido e duro texto.

    Só lamento que os insultos caiam sempre sobre o sexo feminino!!

    Porque não chamar "besta", "ladrão", "imbecil","vigarista" em vez de "ca..." e Filho da pu..."?!

    Um bom domingo.

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